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A tempestade perfeita do automóvel europeu: guerra, cadeias de valor e o risco de uma globalização em rotura

Marc Prieto, profesor de Economía e diretor do IInstituto de Transporte e Mobilidade Sustentável, ESSCA School of Management

06/10/2025

A invasão russa da Ucrânia em 2022 foi muito mais do que um conflito bélico no coração da Europa. Foi um golpe sistémico para a indústria automóvel europeia, que já arrastava as feridas de duas crises consecutivas (a escassez de semicondutores e a pandemia de Covid-19). Em poucos meses, a guerra acelerou a reestruturação das cadeias de valor globais, expôs a fragilidade do modelo de produção 'just in time' e obrigou fabricantes e fornecedores a reconsiderar onde e como produzem. Este reajuste não é conjuntural, mas representa uma redefinição da estratégia industrial de um dos setores mais emblemáticos da economia europeia.

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Uma indústria exausta antes da guerra

O setor automóvel europeu chegou ao início de 2022 enfraquecido. Entre 2019 e 2021, as vendas de veículos novos na União Europeia caíram cerca de 25%. As restrições sanitárias, as tensões logísticas e a escassez de chips reduziram a produção e prolongaram os prazos de entrega. A dinâmica do mercado já mostrava uma mudança para os veículos usados, refletindo consumidores mais prudentes, à mercê da inflação e da incerteza regulatória devido à transição energética. Neste contexto, o início da guerra na Ucrânia foi o golpe final que desestabilizou ainda mais um setor que mal começava a recuperar.

Impacto imediato: mercados e produção em queda livre

A suspensão das atividades na Rússia, com a saída de grupos como Renault-Nissan, Volkswagen, Hyundai-Kia ou Michelin, significou o abandono de um mercado que representava cerca de dois milhões de veículos por ano e no qual as multinacionais tinham investido milhares de milhões em fábricas e redes de distribuição. O mercado russo despencou 85% nos primeiros meses da guerra, e o ucraniano, menor em tamanho, mas estrategicamente importante para certos fornecedores, perdeu mais de 90% das suas matrículas. 

A indústria enfrentou um duplo choque: de procura, devido ao colapso dos mercados, e de oferta, devido à interrupção dos fornecimentos. Fornecedores como a Leoni, que fabrica cabos na Ucrânia, foram obrigados a interromper as operações, provocando paralisações em fábricas de montagem na Alemanha e em outros países. A lógica de produção “enxuta”, projetada para minimizar estoques e custos, mostrou sua vulnerabilidade em um mundo fragmentado e exposto a eventos geopolíticos extremos.

As matérias-primas, uma nova frente de batalha

Se a escassez de componentes eletrónicos já havia causado tensão no setor, a guerra abriu outra frente: a das matérias-primas críticas. A Rússia é um importante exportador de alumínio, níquel, paládio e outros metais essenciais para a fabricação de motores, catalisadores e baterias. Os preços desses materiais dispararam em 2021 e 2022 (até 76% no caso do paládio), alimentando a inflação e encarecendo o custo final dos veículos. A transição para o carro elétrico, apresentada como a saída para a dependência do petróleo, enfrenta assim uma nova dependência: a dos metais estratégicos, muitos deles concentrados em países com instabilidade política ou risco geopolítico.

A retirada do Ocidente e o avanço da China

A saída das marcas europeias e japonesas da Rússia abriu um espaço que a China está disposta a ocupar. Fabricantes como Geely ou Haval foram os primeiros a posicionar-se para abastecer o mercado russo, apoiados nas 'novas rotas da seda' que fortalecem a cooperação logística entre Moscovo e Pequim.

No entanto, a aposta chinesa não está isenta de riscos. Uma aliança demasiado estreita com a Rússia poderia expor Pequim a sanções que ameaçariam a sua posição no comércio global. A reconfiguração do mercado russo tornou-se um caso de estudo sobre como a geopolítica redefine o mapa industrial mundial. As marcas chinesas ampliaram as suas quotas de mercado não só em relação às vendas de automóveis particulares, mas também às de veículos utilitários e camiões.

Repensando a globalização: da eficiência ao risco

A principal lição desta crise é que a busca pela eficiência cedeu lugar à gestão do risco. Os fabricantes europeus tiveram de rever as suas cadeias de abastecimento, diversificando fornecedores, reforçando a integração vertical e aceitando o custo de manter inventários estratégicos. A proximidade geográfica e a fiabilidade dos parceiros passam a ser tão importantes quanto o preço. Esta mudança aponta para uma regionalização da produção, em que a Europa procura garantir o acesso a materiais críticos e reduzir a sua dependência de regiões politicamente voláteis.

A transição energética: solução ou novo problema?

A mudança para os veículos elétricos, além de ser uma exigência regulatória na UE, tornou-se uma aposta estratégica. No entanto, longe de simplificar o panorama, introduz novas vulnerabilidades. A eletrificação exige mais semicondutores e minerais escassos, desde o lítio ao cobalto. As tensões em torno de Taiwan (principal produtor mundial de chips) ou no Sahel (fundamental para o fornecimento de urânio e outros recursos) podem desencadear novas crises de abastecimento. A agenda climática europeia, embora necessária, deve ser acompanhada por uma estratégia de segurança económica que evite que a transição verde se torne um calcanhar de Aquiles.

Perspetivas e desafios

A guerra na Ucrânia demonstrou que a globalização na sua forma clássica (caracterizada por cadeias de valor altamente dispersas e uma obsessão pela eficiência) está em declínio. A indústria automóvel, símbolo dessa globalização, atravessa atualmente um profundo processo de reorganização. Os próximos anos serão decisivos para determinar se a Europa é capaz de reconstruir um ecossistema produtivo resiliente, que garanta o fornecimento de peças e matérias-primas críticas sem comprometer a competitividade. 

Se, nos últimos anos, a indústria automóvel pareceu enfrentar com sucesso esse desafio, foi graças a uma política industrial baseada na redução de volumes, acompanhada de um aumento sistemático na gama e nos preços, através de modelos do tipo SUV eletrificados (PHEV e BEV). Com o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono no parque automóvel europeu até 2050, é evidente que o fornecimento de veículos pequenos, eletrificados e acessíveis para a maioria dos europeus é essencial para manter uma indústria europeia independente e competitiva. O regresso a este tipo de modelos, que em seu momento deram fama às marcas europeias, é uma das condições necessárias para preservar o emprego industrial na Europa.

Marc Prieto é professor de Economia e diretor do Instituto de Transporte e Mobilidade Sustentável da ESSCA School of Management...
Marc Prieto é professor de Economia e diretor do Instituto de Transporte e Mobilidade Sustentável da ESSCA School of Management, uma escola de negócios localizada em Angers, França.

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