Para o setor metalúrgico e metalomecânico nacional, a digitalização deixou de ser uma tendência para se tornar num verdadeiro imperativo. “É a base da estratégia de desenvolvimento de todas as empresas do setor, que procuram ser mais inovadoras e mais competitivas”, afirma Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). Este movimento, diz o responsável, está a transformar os processos produtivos, a gestão da qualidade, os modelos de decisão e até a relação comercial com os clientes.
Num momento em que a Inteligência Artificial (IA) ganha protagonismo, o dirigente da AIMMAP sublinha que esta tecnologia se tem afirmado como “uma das principais ferramentas para a indústria”, não apenas pela introdução de novos serviços, mas também enquanto tecnologia habilitadora para “infraestruturas de automação capazes de aumentar a produtividade, a qualidade e a segurança dos modelos de organização produtiva”.
Apesar da escassez de dados estatísticos específicos sobre a digitalização – e em particular sobre a aplicação de IA – Rafael Campos Pereira lembra que o setor metalúrgico e metalomecânico português se destaca na vanguarda da inovação tecnológica. “É o setor que mais investe em I&DT, com um número expressivo de empresas envolvidas nessas atividades e uma forte componente de desenvolvimento experimental”. Este investimento tem impacto direto na produtividade, “acima da média da restante indústria transformadora e da média nacional”.
Contudo, a transição digital enfrenta obstáculos. A começar pela resistência à mudança organizacional, seguida da necessidade de “investimentos consideráveis”, numa altura em que nem sempre o sistema financeiro ou os mecanismos de apoio estão sensibilizados para esta prioridade estratégica. Acresce ainda a escassez de mão de obra qualificada, num contexto em que a retenção de talento e a requalificação profissional são essenciais. “É fundamental que as pessoas, independentemente da idade, estejam disponíveis para processos de requalificação, que lhes darão acesso a funções mais apelativas e com melhor remuneração”, refere o responsável.
Outro dos desafios prende-se com a cibersegurança. “Os processos de digitalização envolvem uma enorme quantidade de dados, continuamente gerados, processados e analisados. Os volumes de dados em ambientes de produção são a base na qual sistemas inteiros são gerados”, explica Rafael Campos Pereira, alertando para a relevância deste tema em contextos com cláusulas de confidencialidade.
A AIMMAP tem vindo a atuar em várias frentes para acelerar esta transformação. Desde ações de sensibilização e formação até ao envolvimento em programas como o Emprego+Digital – via CENFIM – a associação procura fomentar a qualificação dos trabalhadores e dotar as empresas de ferramentas concretas. “A App Metal Portugal, a ferramenta do Clube de Subcontratação ou as plataformas Pegada Metal e Roteiro Metal são exemplos práticos deste apoio”.
Por fim, os casos práticos multiplicam-se: desde a digitalização dos processos produtivos à modernização de bens de equipamento, passando pela otimização da eficiência energética, controlo de qualidade ou gestão de custos. “Em subsetores mais afetados pela subida dos fatores de produção, a digitalização tem permitido implementar estratégias muito eficientes de controlo”, conclui Rafael Campos Pereira.
A digitalização da indústria exige uma abordagem estruturada, estratégica e focada em resultados concretos. É nesta lógica que o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI) tem vindo a apoiar o setor metalomecânico, em particular no estudo de viabilidade e implementação de tecnologias digitais com ganhos comprovados em eficiência e qualidade operacional. “Temos vindo a contribuir para áreas críticas da digitalização, nomeadamente na visualização inteligente de dados e no desenvolvimento de algoritmos para monitorização e otimização dos processos”, explica Ricardo J. Carvalho, engenheiro da instituição.
Em colaboração direta com empresas, o INEGI tem promovido projetos orientados para o aumento da fiabilidade dos sistemas e da capacidade de decisão em tempo real. Entre os exemplos destaca-se o trabalho desenvolvido com a Zollern & Comandita, onde foi feita a digitalização dos fornos e do processo de vazamento, além da criação de ferramentas de planeamento de ordens de fabrico, com impacto na eficácia da produção e na redução da rejeição de peças. Neste projeto foi ainda construída uma máquina de inspeção com visão computacional, capaz de detetar defeitos com maior precisão.
No projeto AARM 4.0, o foco esteve nos processos de corte e soldadura, com vista à digitalização do planeamento e à deteção precoce de falhas. Já no caso do projeto PAC, foi implementado um sistema de monitorização em tempo real numa prensa de grandes dimensões, permitindo a manutenção preditiva e a redução de paragens inesperadas. “Estamos a investir em sensorização avançada e em dashboards de visualização em tempo real, incluindo o uso de gémeos digitais em fornos e células de deposição”, adianta Ricardo J. Carvalho.
Segundo o engenheiro do INEGI, os benefícios observados pelas empresas que apostam nestas soluções são transversais: maior controlo sobre os processos, deteção precoce de anomalias, otimização de recursos e eficiência energética, aumento da qualidade e agilidade no planeamento. Além disso, destaca-se um impacto positivo na atratividade do setor para novos talentos, ao modernizar a imagem da indústria.
Contudo, subsistem entraves técnicos e organizacionais. “Persistem resistências à mudança, falta de competências e incerteza quanto ao retorno do investimento”, salienta. A integração com máquinas antigas, a fragmentação dos dados, a falta de interoperabilidade entre sistemas e as infraestruturas frágeis de comunicação são desafios frequentes. Para os superar, o INEGI defende uma estratégia clara, focada na relevância dos dados recolhidos, com investimento na qualificação dos colaboradores. “A qualificação das equipas é essencial para que as soluções se perpetuem e evoluam, gerando valor real”, conclui.
O CATIM – Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica tem desempenhado um papel consistente no apoio à digitalização do setor, com especial foco nas pequenas e médias empresas. “Temos apoiado as empresas na identificação e adoção de soluções tecnológicas alinhadas com os princípios da Indústria 4.0, promovendo uma evolução gradual e sustentada dos seus processos e modelos de negócio”, sublinha Vânia Pacheco, responsável pela Unidade de Projetos do CATIM. A atuação combina serviços técnicos especializados, ações de capacitação e envolvimento em projetos colaborativos de âmbito nacional e europeu.
Entre os projetos recentes com impacto direto na transformação digital, destaca-se a participação na Agenda Mobilizadora Produtech R3, onde o CATIM contribui para o desenvolvimento e validação de soluções digitais aplicadas à produção, monitorização e controlo da qualidade. No projeto MissãoINcatim, o foco está na modernização da própria infraestrutura tecnológica do centro, com vista a reforçar a sua capacidade de apoiar a dupla transição – digital e energética – na indústria da metalurgia e metalomecânica. Já no âmbito do projeto TwinNavAux, o CATIM tem trabalhado na definição de itinerários formativos para perfis profissionais que necessitam de requalificação, nomeadamente em tecnologias associadas ao conceito de Digital Twin.
Segundo Vânia Pacheco, as empresas que procuram o apoio do CATIM estão sobretudo interessadas na introdução de tecnologias digitais ajustadas às suas realidades operacionais, com preocupações crescentes ao nível da conformidade técnica, dos regulamentos aplicáveis e da rastreabilidade. “Mais do que implementar tecnologias específicas, o nosso papel é garantir que a transição digital é feita de forma segura, conforme e tecnicamente sustentada”.
Com uma forte tradição de apoio tecnológico à indústria, o ISQ tem vindo a desempenhar um papel relevante na digitalização do setor metalomecânico, igualmente junto das PME. “Temos procurado aumentar a sensibilização e o conhecimento das empresas sobre os desafios da digitalização e da Indústria 4.0”, afirma Helena Gouveia, gestora de programas de I&D+i do ISQ. Entre os projetos mais emblemáticos estão o SIM4.0 e o Shift2Future, que contribuíram de forma decisiva para capacitar as empresas a enfrentar os novos paradigmas da indústria digital. Foi também no âmbito destes programas que surgiu a ferramenta ShifTo4.0, concebida como ponto de partida para qualquer intervenção na transformação digital.
A partir do diagnóstico de maturidade digital, o ISQ presta serviços de consultoria, elaboração de planos estratégicos, desenvolvimento e teste de soluções tecnológicas – com recurso a IoT, Inteligência Artificial, Big Data e manufatura aditiva – e ainda ações de formação técnica especializada. A abordagem tem como objetivo a otimização de processos, a melhoria da qualidade dos produtos, a sustentabilidade operacional e a introdução de metodologias de manutenção preditiva. “Temos vários exemplos de implementações com impacto direto na eficiência e gestão de equipamentos”, acrescenta Helena Gouveia.
O efeito da digitalização é particularmente visível em áreas como a soldadura e o controlo da qualidade, onde o ISQ tem desenvolvido sistemas de monitorização contínua com análise de dados em tempo real, utilizando sensores, visão artificial e algoritmos de IA. Estas soluções permitem detetar defeitos de forma precoce, aumentar a precisão e garantir a rastreabilidade dos processos, contribuindo assim para a conformidade com normas e para a melhoria contínua. Para o ISQ, estas evoluções têm ainda uma função estratégica ao reforçar a atratividade da indústria e facilitar a retenção de talento num contexto de escassez de mão de obra qualificada.
Entre as tendências tecnológicas emergentes, Helena Gouveia destaca os gémeos digitais, a computação na nuvem, os cobots e a manufatura aditiva como tecnologias com impacto crescente.
A aposta da Bosch na digitalização da indústria metalomecânica tem vindo a consolidar-se em várias frentes – da automação à inteligência artificial, passando pela análise de dados, robótica colaborativa e soluções de software específicas para gestão de processos industriais. “Temos promovido a digitalização das fábricas integrando tecnologias, processos e benefícios, sempre centrados nas pessoas”, afirma Tiago Sacchetti, diretor da Bosch Industry Consulting para Portugal e Espanha. Esta abordagem tem permitido à Bosch desenvolver ferramentas orientadas para o governo de dados, manutenção preditiva, otimização de processos e ganhos operacionais em áreas como a qualidade e a eficiência.
Entre os casos práticos, destaca-se o apoio à definição de uma visão digital integrada numa empresa da cadeia de valor automóvel, desbloqueando um processo de digitalização que, até então, estava preso em ciclos de projetos piloto. “Evitar o chamado purgatório dos projetos piloto é um fator crítico de sucesso”, sublinha Tiago Sacchetti. Na própria fábrica da Bosch em Portugal, a empresa recorreu à simulação digital para planear operações de produção e armazenamento numa nova nave industrial – antecipando e otimizando fluxos logísticos ainda antes da sua construção. Outras aplicações incluem soluções de robótica colaborativa em linhas de montagem, com enfoque na segurança e ergonomia, e a implementação da plataforma Manufacturing Analytics Solutions (MAS), que automatiza a recolha, padronização e análise de dados de produção. O sistema recorre à inteligência artificial para analisar dados recolhidos de centenas de sensores instalados nas máquinas – como variações de corrente elétrica ou força aplicada – ajudando os engenheiros a identificar rapidamente as causas raiz dos defeitos
A visão computacional, combinada com IA, é outra área com forte impacto. Segundo Tiago Sacchetti, “a visão artificial é uma tecnologia com maturidade elevada na indústria, mas tem evoluído significativamente com a IA generativa, permitindo até criar imagens sintéticas para treinar sistemas sem necessidade de produzir peças defeituosas”. Estas soluções são utilizadas em tarefas como inspeção automática de qualidade, monitorização de processos em tempo real, automação de tarefas com variações dimensionais, e manutenção baseada em condition monitoring, através do programa Nexeed Production Performance Manager. A Bosch aplica ainda visão computacional na gestão de armazéns e na melhoria da interação homem-máquina, utilizando realidade aumentada e interfaces inteligentes.
O esforço de inovação tecnológica da Bosch é complementado por uma estratégia ativa de colaboração com universidades e centros de investigação. Estas parcerias assumem várias formas – projetos de I&D conjuntos, laboratórios de inovação, programas de estágios e doutoramentos, participação em conferências e financiamento de estudos aplicados. “Estas colaborações são fundamentais para impulsionar a inovação e a transferência de conhecimento”, reforça Tiago Sacchetti. Exemplo disso é o laboratório de Indústria 4.0 em Aveiro ou os protocolos com instituições de ensino superior para uso académico do MES Nexeed e distribuição de sensores Bosch Sensortec para projetos de IoT.
Especializada em soluções para PME industriais, a Ibernova posiciona-se como um parceiro tecnológico estratégico na transformação digital do setor metalomecânico. A empresa desenvolve uma plataforma própria de ERP (Enterprise Resource Planning) e MES/MOM (Manufacturing Execution System/Manufacturing Operations Management), adaptada ao contexto do fabrico industrial. “Dispomos de uma plataforma tecnológica única na Europa, concebida especificamente para as necessidades das PMEs industriais”, afirma Joaquim Lourenço, sales manager da Ibernova. A proposta integra de forma contínua todas as áreas da empresa, da engenharia ao chão de fábrica, com compatibilidade avançada com ferramentas como o Solidworks e a plataforma 3DExperience.
As soluções da Ibernova já incorporam Inteligência Artificial, com funcionalidades como pesquisas semânticas, algoritmos preditivos para manutenção e otimização da qualidade. A ideia é clara: construir um ecossistema digital 360º que permita às empresas atuar com maior eficiência, agilidade e capacidade de adaptação num mercado competitivo e cada vez mais orientado pelos princípios da Indústria 5.0.
Entre os casos de sucesso, Joaquim Lourenço destaca a Metalúrgica Progresso, que pretendia eliminar silos de informação e garantir um fluxo de dados único e consolidado. Com a implementação das soluções Ibernova, a empresa conseguiu automatizar os processos internos, reforçar a gestão de projetos e melhorar a tomada de decisão estratégica com base em dados precisos e em tempo real. “O resultado foi uma melhoria significativa na eficiência, rentabilidade e competitividade”, sublinha.
A Ibernova acompanha de perto a evolução tecnológica do setor, combinando consultoria estratégica com desenvolvimento de soluções personalizadas e formação contínua das equipas. “Acreditamos que uma gestão eficiente baseada no dado único, em informação rigorosa e em tempo real, é o motor para a transformação digital”, conclui.
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