Aço, alumínio, cobre e ferro são os metais mais usados no setor da construção
O novo Regulamento Produtos de Construção (RPC) estabelece requisitos rigorosos para os materiais de construção, obrigando os fabricantes a incluir uma percentagem mínima de material reciclado em produtos como as estrururas de alumínio.
O setor da construção enfrenta uma revolução regulatória com a entrada em vigor do novo Regulamento Produtos de Construção (RPC) e o desenvolvimento do Código da Construção em Portugal. Estas mudanças representam um desafio para a indústria dos materiais de construção, exigindo adaptação a padrões mais exigentes em sustentabilidade, rastreabilidade e digitalização. No entanto, também abrem oportunidades para inovação e competitividade, impulsionando o desenvolvimento de materiais mais eficientes e sustentáveis.
O novo RPC, adotado pela Comissão Europeia em 27 de novembro de 2024, substitui o Regulamento (UE) n.º 305/2011 e atualiza as regras sobre a comercialização de materiais de construção na União Europeia. O RPC entrou em vigor 20 dias após a publicação no Jornal Oficial da UE, sendo que a maioria das disposições serão aplicáveis a partir de 8 de janeiro de 2026, enquanto outras entrarão em vigor entre 2025 e 2027.
As principais motivações para esta revisão incluem a definição de requisitos para produtos mais ecológicos e seguros, a melhoria da informação digital disponível para empresas e cidadãos, a agilidade na criação de normas harmonizadas e o fomento de modelos empresariais inovadores. Para colmatar lacunas na implementação do regulamento anterior, foram incorporados mecanismos para a declaração de desempenho dos produtos, especialmente no que se refere à sustentabilidade.
O novo RPC estabelece requisitos rigorosos para os materiais de construção, obrigando os fabricantes a incluir uma percentagem mínima de material reciclado em produtos como alumínio, PVC, vidro e madeira. Adicionalmente, a obrigatoriedade das Declarações Ambientais de Produto (DAP), alinhando-se aos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, impõe que se forneçam informações detalhadas sobre o impacto ambiental ao longo do ciclo de vida dos materiais. Para garantir a conformidade com estas normas, serão adotadas metodologias padronizadas de avaliação de desempenho e transparência nos processos produtivos.
A implementação do Passaporte Digital dos Produtos constitui um dos avanços mais relevantes, exigindo que os fabricantes detalhem a composição, impacto ambiental e ciclo de vida dos seus produtos. Este requisito visa aumentar a rastreabilidade e transparência dos materiais ao longo da cadeia de valor, promovendo a interoperabilidade entre fornecedores, construtoras e reguladores.
As mudanças também impactam os contratos públicos, ao imporem critérios ambientais obrigatórios, incentivando a utilização de materiais reciclados e sustentáveis nas obras financiadas pelo Estado. Esta exigência pode alterar a dinâmica da seleção de fornecedores e restringir a oferta de produtos que não cumpram os novos padrões ambientais.
O novo regulamento também introduz normas mais rigorosas para a durabilidade e reutilização de materiais, visando a redução do desperdício e o aumento da eficiência energética dos edifícios. A rastreabilidade será reforçada, obrigando fabricantes e fornecedores a disponibilizarem documentação técnica detalhada para facilitar a reciclagem e reutilização de componentes.
Outra alteração significativa é a harmonização das normas técnicas a nível europeu, simplificando a livre circulação de produtos de construção no mercado único da UE. A uniformização dos processos de certificação e ensaios laboratoriais tornará os testes mais acessíveis e eficazes para os fabricantes.
Em paralelo ao RPC, o futuro Código da Construção em Portugal visa atualizar e consolidar a legislação do setor, substituindo normas desatualizadas e dispersas. Prevê-se que a sua implementação, programada até 2027, traga maior clareza e eficiência aos processos de licenciamento e fiscalização, promovendo um setor mais ágil e sustentável.
Uma das inovações deste código é a criação de uma plataforma digital centralizada, reunindo todas as normas e regulamentações desta área, facilitando a consulta por profissionais. Além disso, serão introduzidos mecanismos de verificação digital, permitindo a validação automática de requisitos técnicos, reduzindo a burocracia e acelerando os processos administrativos para projetistas e construtoras.
As novas regulamentações estão a provocar reações mistas. Se, por um lado, as normas promovem a sustentabilidade e a transição digital, por outro, colocam desafios de adaptação. A competição será, cada vez mais, determinada pela capacidade de resposta às novas exigências de rastreabilidade, eficiência energética e circularidade dos materiais.
Para José de Matos, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção (APCMC), as duas legislações em análise têm em comum “a ideia de normalização de procedimentos, que, espera-se, venha a permitir uma maior eficiência ao longo da cadeia de valor da construção e contribuir para os objetivos da sustentabilidade ambiental, quer dos produtos, quer das obras”. No entanto, alerta que os impactos concretos dependerão “da definição final do muito que ainda está em aberto e, finalmente, da forma como irão ser implementadas pelos variados agentes do setor”.
José Dias, presidente da Associação Portuguesa do Alumínio (APAL), considera que o RPC pode trazer maior transparência ao setor do alumínio e garantir um maior alinhamento com os objetivos da União Europeia (EU) para a redução de emissões de gases com efeito de estufa. No entanto, sublinha ser essencial garantir que as empresas que investem na transição ecológica não sejam prejudicadas por práticas de ‘greenwashing’: “Será fundamental que as entidades fiscalizadoras garantam o cumprimento das regras estabelecidas para todos e evitem a entrada de produtos que não cumpram os padrões”, enfatiza.
Por sua vez, a Associação Portuguesa de Construção Metálica e Mista (CMM) considera que as novas normas trazem desafios e oportunidades: “Por um lado, será necessário adaptar os processos de produção, melhorar a documentação técnica e investir em tecnologias que permitam cumprir as novas exigências. Por outro, o foco na sustentabilidade poderá abrir novas oportunidades de mercado através da inovação produtiva e da adoção de práticas ambientalmente responsáveis”, analisa.
Segundo Maria Luís Correia, diretora-geral da Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Electromecânicas (ANEME), o RPC e o futuro Código da Construção terão um impacto notável na competitividade e sustentabilidade do setor dos materiais de construção, afetando, em particular, o segmento metalúrgico (fornecedor de ferro e aço) e o metalomecânico (fabricação de estruturas e componentes metálicos). Segundo Maria Luís Correia, embora estas novas exigências impliquem investimentos significativos em inovação e adaptação – aumentando os custos de produção, sobretudo para as pequenas empresas –, também se apresentam oportunidades para a modernização do setor, que, sendo o mais exportador da indústria transformadora, já está a investir em soluções que garantam o cumprimento dos rigorosos padrões internacionais de qualidade, segurança e sustentabilidade.
A APAL reforça que a reciclagem de alumínio já é um processo bem estabelecido e que, com a melhoria dos processos de refusão, será possível otimizar ainda mais o aproveitamento de materiais reciclados, ampliando “a sua disponibilidade” e otimizando “os seus custos de produção”: “A utilização de produtos reciclados pode aumentar a nossa autonomia nacional e reduzir a dependência da Europa de outras regiões" em relação às necessidades de material, destaca José Dias.
Na visão da APCMC, esta exigência não é disruptiva nem complexa. E justifica: a utilização de materiais reciclados nas obras públicas já é uma prática consolidada, impulsionada por fatores ambientais, económicos e legais. O verdadeiro desafio surgirá quando os produtos forem avaliados por critérios normalizados, como o impacto no aquecimento global, exigindo uma nova abordagem dos fabricantes.
A exigência de material reciclado nos produtos de construção levanta, porém, preocupações da parte das empresas quanto à disponibilidade de matérias-primas e ao impacto nos custos.
A Technal, marca do grupo Hydro, deixa o seu testemunho e descreve-se como pioneira na utilização de alumínio reciclado pós-consumo proveniente de janelas, portas e fachadas no final da vida útil: “O principal desafio prende-se atualmente com os restantes componentes que fazem parte de um caixilho, pelo que estamos a trabalhar em conjunto com os nossos fornecedores nessa transição”.
A indústria do alumínio é crucial para reduzir emissões, principalmente ao incorporar alumínio reciclado, lembra a Navarra Alumínio. A empresa está, por isso, a investir em parcerias com fornecedores de materiais reciclados e em tecnologias para garantir uma integração eficiente desses materiais, mantendo elevados padrões de qualidade. Além disso, tem explorado técnicas híbridas de construção para criar soluções inovadoras.
O Passaporte Digital do Produto é visto como uma ferramenta essencial para a rastreabilidade, mas levanta preocupações sobre custos administrativos e integração.
Para José de Matos, da APCMC, “o setor dos produtos da construção é aquele que está mais preparado para isso, porque há muito que está sujeito às obrigações da marcação CE, que envolvem a emissão de uma declaração de desempenho”, contendo informação normalizada sobre as características do produto e respetivo fabricante. Ainda assim, alerta que um dos principais desafios será “organizar as bases de dados, que, na maior parte dos casos, se encontram dispersas pelos diversos departamentos”.
O passaporte digital pode trazer benefícios significativos em termos de rastreabilidade e conformidade, considera a ANEME, estando em linha com as atuais tendências do setor metalúrgico e eletromecânico: “Ao facilitar o acesso a informações cruciais de forma digitalizada e acessível, as empresas podem beneficiar de processos mais eficientes, seguros e sustentáveis, enquanto oferecem maior confiança aos clientes e reguladores”.
Na Technal, a transição para o passaporte digital está em curso. “Este instrumento vai trazer benefícios ao nível da rastreabilidade e reciclabilidade dos materiais no final da vida útil, mas também quando se trata das manutenções necessárias ao bom funcionamento dos produtos, dada a sua longevidade”, afirma a empresa. No entanto, a Technal alerta para desafios na implementação, como a necessidade de harmonizar sistemas e garantir que toda a cadeia de fornecimento adote este modelo de forma eficiente.
Embora olhem para a introdução do passaporte digital como uma iniciativa positiva, a Navarra Alumínios antecipa dificuldades relacionadas com a implementação de sistemas de informação que suportem a nova exigência e formação da equipa para lidar com os requisitos técnicos associados.
As associações e empresas concordam que a informação técnica sobre as novas regulamentações nem sempre é clara.
A Technal e a Navarra Alumínio sublinham que a informação técnica ainda está dispersa e nem sempre é clara, acessível ou suficiente, tornando a conformidade um desafio. Propõem, nomeadamente, a criação de guias práticos e formação específica para ajudar as empresas a adaptarem-se.
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